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Diálogos

- Oi!
- Oi.


- Vamos conversar?
- Agora?


- Sim...
- Agora não posso.


- Por quê?
- Porque estou estudando pra prova.


- E isso é importante?
- Claro que é!


- E por que você acha que a prova é mais importante que nossa conversa?
- Ahhh... tá, então vamos conversar...


- Que bom!
- Sobre o que você quer falar?


- Sobre morte.
- Você me fez parar de estudar pra prova pra falar sobre morte?


- Sim... Você não quer?
- Não, falar sobre morte... Que assunto baixo astral, depressivo...


- Você acha?
- Claro que acho! Que insano...


- E fazer prova também não é?
- É, mas é que eu preciso passar nessa prova!


- E a morte, você não vai passar?
- Como assim?


- Uai... Todos nós vamos morrer um dia...
- Mas eu não sei quando vou morrer, mas sei que minha prova é na sexta...


- E se eu disser que você vai morrer na quinta?
- (silêncio)


- Tô brincando, você não vai morrer na quinta!
- (silêncio)


- Vai morrer na quarta.
- (silêncio fúnebre)


- Tô brincando de novo, desmancha essa cara, não tem senso de humor?
- Você está me assustando...


- Olha, é só uma conversa, nada demais!
- É que este é um assunto que não faz sentido...


- Você está estudando pra passar na prova. A prova é um compromisso, certo?
- É... Certo.


- Então, a morte é outro compromisso. Todos nós temos esse compromisso.
- Mas por que temos que falar sobre ela?


- Porque um dia, você vai ter que encarar esta realidade, igual a prova.
- Mas eu ainda estou muito nova...


- Mas desde criança você estudou para várias provas...
- É, mas eu sempre tive data pra fazer as provas...


- E se um dia o professor entregasse uma prova sem avisar?
- Aí não seria justo...


- Mas ele não te deu a matéria todos os dias?
- Deu...


- Então você não precisava de data pra fazer a prova.
- Precisava sim...


- Pra quê?
- Pra eu poder tirar nota boa... 


- Mas você não tinha aprendido a matéria?
- Tinha.


- Então não precisava de aviso.
- (silêncio...)


- Olha, a morte não é o fim do mundo.
- Mas eu não gosto de falar sobre isso, tenho medo.


- Pensa na morte como uma prova. Se você estudar todos os dias, quando ela chegar, não vai precisar ter medo.

- Como se “estuda” para a morte?


- Então... A matéria que vai cair no dia da morte é a vida que você levou. Se você aprendeu o que é certo, se você entendeu como funciona o ciclo da vida, que a natureza deve ser respeitada, que tudo tem um fim, se tiver a certeza de que este dia chegará, vai se preparar.
- Eu não entendi...


- Se você soubesse que vai morrer amanhã, o que faria?
- Não sei... O que você faria?


- Bem, se eu fosse morrer amanhã, iria procurar quem eu magoei e pediria desculpas. E as pessoas que me magoaram, daria meu perdão... E também ia resolver o que fazer com minhas coisas, doaria roupas, objetos com valor para quem precisasse, afinal, eu não iria levar nada mesmo!
- É... Eu também faria isso.


- E por quê não faz?
- (silêncio)


- Você não faz porque não sabe o dia que vai morrer. Pelo mesmo motivo que só está estudando porque sabe o dia da prova.
- É...


- Então, não concorda que não falar sobre a morte é errado?
- Mais ou menos...


- Por que mais ou menos?
- É que... É meio confuso...


- Você quer falar sobre a vida?
- Eu queria falar sobre qualquer coisa, menos sobre a morte.


- Mas você também não queria falar sobre fazer prova...
- Não, também não!


- E se você não precisasse fazer prova? Não seria bom?
- É, seria!


- Então, se você prestasse atenção em todas as aulas, todos os dias, não precisaria se preocupar em estudar pra prova, certo?
- É...


- Então, vamos combinar assim, daqui pra frente você vai ficar mais atenta ao que sua mãe lhe recomenda, ao que teus tios te aconselham, à dificuldade dos teus irmãos, à necessidade de teus amigos, ao problema do próximo, ao sofrimento de quem tem dor e a tudo o que acontece ao teu redor. Se fizer isso, não vai realmente se preocupar em falar sobre a morte porque quando ela chegar, estará preparada...
- E ao que o professor me ensina!


- Ao que o professor te ensina, exatamente!
- Agora... me responde uma coisa... Você sabe quando eu vou morrer?


- Na segunda-feira.
- (silêncio)


- Brincadeira, não sei o dia que você vai morrer!
- Ah, tá. Já posso voltar a estudar?


- Não. Já está na hora de acordar! 
- Ahhh... É um sonho...


- E o relógio já vai despertar... Quando sua mãe entrar no teu quarto...
- Eu já sei, vou dizer a ela...


- O quanto eu sempre te amei!

(Dedicado ao meu amigo João Batista Dias)

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